Frase mediadoras: conheça essa técnica da clínica histórico-cultural

Você conhece técnicas utilizadas por psicólogas histórico-culturais? A curiosidade acerca das estratégias clínicas oriundas da teoria desenvolvida por Vigotski é uma das mais presentes entre interessados nos estudos da PHC.

Aqui no NPHC nós conhecemos e também desenvolvemos diversas possibilidades clínicas a partir das nossas experiências de estudo e prática. E a ideia das frases mediadoras foi desenvolvida pelo Neto Oliveira, a partir de compreensões sobre as funções psicológicas superiores e a internalização do desenvolvimento.

Quer saber mais sobre a teoria que embasou as frases mediadoras e conhecer essa técnica que você pode usar na clínica histórico-cultural?

É só seguir a leitura!

Como a técnica das frases mediadoras foi desenvolvida?

Sempre que falamos sobre uma estratégia clínica não podemos perder de vista a teoria. Afinal, a prática não existe de forma isolada. É preciso buscar a práxis: que parte da teoria e se relaciona com ela. Isso nos permite desenvolver uma prática ética e embasada.

No caso das frases mediadoras, para entender a estratégia é preciso compreender aspectos centrais da teoria histórico-cultural.

Confira!

Pensamento e linguagem regulam o comportamento

Vigotski estudou o desenvolvimento naquilo que nos faz especificamente humanos: as funções psicológicas superiores. É isso que nos diferencia dos outros animais, especialmente porque essas funções têm caráter voluntário e mediado.

Assim, nossa atenção, memória e percepção, por exemplo, são qualitativamente diferentes das funções elementares. Isso se deve ao desenvolvimento cultural — propiciado pelo trabalho e pela linguagem na evolução da espécie humana.

Entre as funções psicológicas superiores, a linguagem e o pensamento ganham um espaço muito importante no psiquismo. Isso porque a PHC afirma que os signos funcionam como instrumentos psicológicos. Ou seja, se homens usam instrumentos para intervir sobre a natureza, eles usam os signos para intervir nos próprios processos mentais e comportamento.

Isso é importante na clínica porque nos mostra que desenvolver o pensamento e a linguagem permite que nossos pacientes alcancem o que Vigotski chamou de autodomínio da conduta. Assim, seu comportamento pode se tornar mais consciente e menos impulsivo.

Nossa relação com o mundo é mediada

Por conta desse desenvolvimento cultural e do uso de instrumentos e signos, a relação dos seres humanos com o mundo não é imediata: ela é mediada. Logo, o desenvolvimento se dá a partir da mediação.

Mediação significa a interposição de um elemento intermediário. Esses elementos são exatamente os instrumentos e signos. Por exemplo, um computador que você usa para trabalhar, a internet, o idioma que você aprendeu no seu país etc.

A existência da mediação também coloca a necessidade do ser humano se relacionar com outras pessoas. Um bebê humano é totalmente dependente de outras pessoas para sobreviver e para ser inserido na cultura, certo?

Com isso, a mediação também é fundamental na clínica. Profissionais da psicologia buscam intervir para mediar desenvolvimento e apresentar novos instrumentos e signos para que seus pacientes consigam lidar melhor com o que precisam.

O desenvolvimento é internalizado

Outro aspecto essencial para entender sobre a psicologia histórico-cultural antes de conhecer as frases mediadoras é a internalização. Ela nos mostra que todo desenvolvimento é primeiro externo (entre pessoas) para depois ser interno (intrapessoal). Essa é a lei geral do desenvolvimento proposta por Vigotski.

Isso fica muito evidente, por exemplo, quando Vigotski estuda a linguagem. Ela aparece primeiro com a função de comunicação entre pessoas e, depois, passa a ter a função de regulação do próprio comportamento — especialmente a partir do pensamento verbal.

Mas o que isso significa na clínica histórico-cultural? Que os instrumentos e signos compartilhados entre terapeuta e paciente podem ser internalizados com o tempo e promover mudanças qualitativas no psiquismo da pessoa. Esse é um caminho para promoção e recuperação da saúde.

O que são as frases mediadoras?

Agora que você conhece alguns dos principais aspectos teóricos por trás dessa estratégia clínica, é hora de entender como ela funciona. A ideia das frases mediadoras é utilizar signos para mediar processos de pensamento mais saudáveis.

Muitas vezes, nossos pacientes vivem situações que despertam pensamentos que trazem sofrimento. Nesse contexto, precisamos lembrar que nossos pensamentos, assim como tudo no psiquismo, partem de questões culturais.

Pelas limitações impostas pelo capitalismo, nosso desenvolvimento humanizador é limitado e cindido. Com isso, a alienação de si é uma realidade — e muitas vezes nossos pacientes têm dificuldade para lidar com o que pensam. É comum que as pessoas sofram por considerarem seus pensamentos uma verdade absoluta ou algo muito forte e impossível de questionar.

Considere o caso da Maria

Um exemplo prático pode nos ajudar a entender melhor o assunto, certo? Então imagine a Maria, uma mulher com constantes pensamentos de incapacidade. Em um contexto de exploração do trabalho e de intensa cobrança por produtivismo como o que vivemos, isso é muito comum.

A Maria pensa coisas como: “estou descansando agora, mas deveria trabalhar mais. Sou muito preguiçosa” ou “nunca vou ganhar aquela promoção no trabalho porque sempre demoro demais para fazer as atividades”.

Nessas situações, ela tem sentimentos muito negativos sobre si e está até vivenciando crises de ansiedade que culminam em desânimo e humor deprimido quando Maria se vê cheia de coisas que não consegue fazer.

Na clínica com Maria, a psicóloga histórico-cultural aprofundou os elementos culturais envolvidos nesses sintomas. Com isso, foi possível ampliar a consciência da paciente acerca do contexto que vivemos no capitalismo e de aspectos da sua história de vida que estão ligados ao sofrimento atual.

Mas, depois dessas intervenções, Maria trouxe o incômodo: eu já entendi por que me sinto pressionada para ser produtiva, mas continuo com aqueles pensamentos e não consigo não me sentir ansiosa quando penso neles.

Frases mediadoras

Agora vamos entender o uso das frases mediadoras na prática: a partir das reflexões feitas na clínica, a psicóloga histórico-cultural propôs para Maria a construção de novos mediadores para seu processo de pensamento.

Essa estratégia clínica permite utilizar signos como estímulos auxiliares, como Vigotski fazia em suas pesquisas e trabalhos. É o chamado método da dupla estimulação.

Com base nisso, a psicóloga sugeriu que sempre que Maria tivesse os pensamentos que a incomodam, ela lesse as frases mediadoras e lembrasse o que já haviam discutido na psicoterapia.

Algumas das frases construídas em conjunto foram:

  • Descansar não significa que eu sou preguiçosa. Ninguém deveria ser obrigado a trabalhar 24h por dia
  • Já avaliei o tempo que demoro nas atividades e não é diferente da média dos meus colegas. Essa autocobrança excessiva vem de um produtivismo que eu critico

Com a ajuda da psicóloga, Maria entendeu que nossa capacidade de pensar sobre nossos próprios pensamentos e refletir sobre nossa relação com o mundo de forma ampla é uma especificidade humana. Logo, não é natural — deve ser aprendida a partir da cultura.

No entanto, no modo de vida capitalista já vimos que o processo de humanização é prejudicado. Se esse desenvolvimento não aconteceu antes, podemos intervir na clínica para oferecer possibilidades de mediação e internalização aos nossos pacientes.

Conclusão

Gostou de conhecer mais sobre as frases mediadoras? Esse instrumento mediador da clínica histórico-cultural pode ser muito potente, se usado com bom embasamento e dentro de um raciocínio clínico complexo.

Se você quer entender melhor como utilizar essa e outras possibilidades clínicas na PHC, não perca nosso curso de Formação em Clínica Histórico-Cultural!

Referências:

O tamanho de um blogpost é um fator limitador para aprofundar certos temas. Se você quiser saber mais sobre o que leu aqui, indicamos:

Artigo “Autodomínio da conduta: uma revisão bibliográfica das pesquisas brasileiras

Livro “Práxis na clínica histórico-cultural: por uma clínica da transformação e do desenvolvimento

Livro “A construção do pensamento e da linguagem

Livro “Teoria e método em Psicologia