O que significa ser um psicólogo clínico histórico-cultural?

A psicologia histórico-cultural na clínica ainda é uma teoria pouco conhecida quando comparada com as clássicas — como psicanálise ou humanismo. Com isso, é comum que as pessoas se perguntem: quem é o psicólogo clínico histórico-cultural?

O que será que nos diferencia enquanto profissionais atuando com essa abordagem? Na verdade, existem diversos elementos que partem da nossa base teórica e especificam nossa prática.

Por isso, vale a pena saber mais. Confira alguns dos principais pontos que caracterizam um psicólogo que atende na clínica a partir da teoria de Vigotski!

Entender a saúde mental como aspecto social

Sem dúvida, um dos principais aspectos é a compreensão de que a saúde mental não é algo individual. Como tudo o que vivemos, ela é construída (ou destruída) no contexto social, cultural e histórico do qual fazemos parte.

Assim, é preciso buscar uma saúde integral — que tem a ver com a história da pessoa em conexão com seu tempo histórico e com a cultura e contexto em que está inserida. Se pensamos a pessoa fora da realidade concreta, não estamos nos pautando na PHC.

Com isso, poderíamos incorrer na construção de estratégias que iriam, muito mais, adoecer do que auxiliar nas zonas adoecidas e que se encontrem desintegradas. Saúde mental na Psicologia Histórico-Cultural é buscar integrar pessoa e mundo para além dos ditames do capital e do capitalismo. É criar caminhos alternativos à alienação.

Além disso, é importante saber que nós, psicólogos da abordagem, não pensamos a mente dissociada do corpo! Assim, não existe adoecimento mental que não seja adoecimento somático, e vice-versa.⁣

Ter uma visão integrada da subjetividade

A teoria de Vigotski é marcada pela integração. Você acabou de ver, por exemplo, que ele propõe a visão de aspectos individuais e sociais de maneira integrada. De forma semelhante, a subjetividade também deve ser vista assim.

Quando estudamos Vigotksi, percebemos que subjetividade não era um termo utilizado por ele. Entretanto, é uma palavra muito presente na psicologia contemporânea, não é mesmo? Ela diz respeito ao modo singular como vemos a realidade, interagindo com ela e com nós mesmos.

Nesse sentido, Vigotski utilizava expressões como psiquismo e consciência pra falar sobre os registros pessoais que vamos formando na nossa relação com o mundo, e que estão em íntima conexão com os processos históricos.

Quando se pensa na subjetividade para a PHC, é preciso saber que devemos entendê-la intimamente conectada com a cultura, com a história e com os processos das relações de produção ao longo dos tempos. Caso contrário, podemos cair na armadilha de pensarmos as pessoas de forma abstrata ou ainda de forma reducionista.

Lembre-se: subjetividade é o puro movimento da história. E, como a história se transforma, a subjetividade também.

Saber que o social faz parte de cada sujeito

Outro elemento muito presente para um psicólogo histórico-cultural é saber que o social não é sinônimo de coletivo? De maneira generalista, existe uma identificação da ideia de social com a noção de coletivo, mas esse pensamento não está completamente correto.

O coletivo é sim expressão do social, mas não é a sua única expressão. Na verdade, o social se expressa também na individualidade. Vigotski nos fala que, mesmo quando uma pessoa está sozinha com as suas emoções, a história das relações sociais está presente.

Isso porque não somos somente seres influenciados pelo social, mas sim constituídos no social. A consciência e as demais funções psicológicas, tais quais nós conhecemos hoje, são produto da relação dialética que se estabelece entre a pessoa e a cultura.

Psicólogos histórico-culturais devem entender que tudo que é interno um dia já foi externo. Para Vigotski, é assim que se dá o desenvolvimento: pela apropriação das aprendizagens culturais. Desse modo, nossa subjetividade é social — e a clínica também é!

Integrar o biológico e o subjetivo

Em mais uma integração de sua teoria, Vigotski realizou diversas pesquisas sobre o funcionamento do cérebro. Assim, ele defendeu que é necessário entender que o ser humano é um ser integral, sendo composto por diversas dimensões, incluindo a biologia.

Como seres biológicos, conquistamos alguns mecanismos ao longo da evolução, um deles é o cérebro complexo tal qual o conhecemos hoje. Chamamos de filogênese as conquistas anátomo-fisiológicas feitas ao longo da história pela humanidade.

Essas conquistas são herdadas e transmitidas de geração em geração. Devemos lembrar, entretanto, que elas não são estanques, mas modificáveis na relação da pessoa com o mundo concreto.⁣

Nesse sentido, podemos entender o cérebro como o substrato material da consciência, é na sua relação e interação com a cultura que formas mais complexas de consciência são possíveis. Logo, não há subjetividade sem objetividade e não há consciência sem um substrato biológico!

Por isso é importante que nós, psicólogos(as) histórico-culturais, nos esforcemos para compreender o funcionamento cerebral e, sobretudo, neuropsicológico.⁣⁣

Saber que a saúde mental não se resume à clínica

Apesar de estarmos falando de psicologia clínica histórico-cultural, é fundamental sabermos que a saúde mental não existe apenas na clínica. Muito menos na clínica particular privada. Afinal, os processos humanos são muito mais complexos e envolvem muitos outros cenários.

Individualizar o cuidado de forma superficial nos faria perder de vista a base materialista histórica-dialética de Vigotski. A saúde mental não está restrita a um campo de atuação — e a clínica sozinha não seria capaz de resolver questões que são muito mais amplas, como o adoecimento causado pela forma de vida capitalista.

Assim, a saúde mental precisa existir para além da clínica privada. Ela precisa estar incorporada a cada política pública, precisa ser um aspecto que atravessa a vida. Vigotski já falava que não dá pra pensar nenhuma produção de vida que não seja irrigada e determinada pela vida emocional.

Logo, nos fecharmos para as múltiplas possibilidades de intervenção em saúde mental, restringindo-a aos consultórios, é negar que ela de produz no movimento da vida! A Psicologia Histórico-Cultural tem uma mirada diferente sobre a questão: saúde mental precisa ser ampliada e para além dos ditames impostos pelo capital.⁣

Estudar sobre os elementos culturais do sofrimento psíquico

Por fim, mais um dos principais aspectos que caracteriza o psicólogo histórico-cultural é ter estudo aprofundado sobre os elementos culturais que perpassam (e geram) o sofrimento psíquico. Como você viu até aqui, nossas vivências são forjadas na história e na cultura.

Assim, é também em dado tempo histórico e em dada cultura que são produzimos adoecimentos ou saúde mental. Nesse sentido, é preciso pensar, por exemplo, em como o capitalismo afeta a saúde mental?⁣

Segundo as leis do capital, nós precisamos vender nossa força de trabalho para sobreviver. Nessa relação, nosso trabalho, que antes tinha o propósito de transformar a realidade, vira moeda de troca. Ele se torna alienado e passa a causar sofrimento.

Na Psicologia Histórico-Cultural, entendemos que o psiquismo é mediado por essas relações, então o capital e o capitalismo impactam, na maioria das vezes, negativamente a nossa vida psíquica, empobrecendo as mediações e os processos psicológicos.

Além do tema do capitalismo, é importante se questionar também: a política e saúde mental estão relacionadas? Sim, e de muitas formas! Não dá pra pensar sobre subjetividade e constituição do psiquismo sem nos remetermos imediatamente ao cenário histórico, cultural e político em que tudo isso acontece.

Quando paramos, por exemplo, para refletir sobre a saúde mental no Brasil, é compreensível o aumento de casos de pessoas com transtornos ansiosos e transtornos de humor. Afinal, saúde e doença se expressam nas relações concretas nas quais estamos e pelas quais nós somos atravessados.⁣

Estar em um cenário político instável, genocida e irresponsável para com a vida é desorganizador por si só! Identificamos na Psicologia Histórico-Cultural um forte aporte para pensar a produção da saúde e da doença a partir da realidade concreta e material.

Conclusão

Agora você sabe o que significa ser um psicólogo clínico histórico-cultural. Existem diversos elementos que nos diferenciam e caracterizam nossa clínica. E, como foi visto, eles partem da base teórico-prática desenvolvida por Vigotski. Assim, ter profundidade nos estudos é indispensável!

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