Introdução
Dentro do contexto capitalista, o sofrimento psíquico é analisado exclusivamente pelo seu aspecto individual, causado por uma desadaptação, um comportamento que diverge da norma, e que, portanto, tende a ser patologizado.
Nesse sentido, a patologização da vida e culpabilização dos indivíduos em particular surge como método que acentua a percepção dos transtornos mentais como um problema em si mesmo, de caráter orgânico e a-histórico. Esse movimento desresponsabiliza os efeitos nocivos do modo de produção capitalista sobre a saúde mental dos indivíduos.
Diante disso, nesse texto iremos discutir como a Psicologia Histórico-Cultural, dada a contribuição inicial desta para o campo da saúde mental através da Patopsicologia Experimental, busca articular o contexto em que estamos imersos com os processos de sofrimento mental dos indivíduos.
O que fazer com o sofrimento?
O sofrimento é uma categoria social produzida intencionalmente pelo sistema capitalista. Entretanto, ao mesmo tempo que o capitalismo produz o sofrimento, ele também tira do indivíduo a possibilidade de se apropriar do seu processo de sofrimento, fazendo com que o paciente identifique o sofrimento como experiência indesejável.
Por esse motivo, diante do profundo incômodo causado pelo sofrimento, a perspectiva biomédica, medicalizadora, ainda ocupa um lugar prioritário no tratamento dos transtornos mentais, tendo em vista que os efeitos desse tratamento incidem diretamente no alívio imediato dessa dor e dão, de forma provisória, condições para atender as demandas de produtividade capitalista, por exemplo.
Quais as contribuições da Patopsicologia Experimental para a análise do adoecimento psíquico?
A Patopsicologia Experimental é um campo de estudos intermediário entre a psicologia e a psiquiatria responsável por analisar como os processos de adoecimento psíquico ocorrem e quais são os impactos destes no desenvolvimento da personalidade.
Durante o período da união soviética, os estudos da patopsicologia tinham um viés fisiológico, mecanicista e biologizante, atrelados às contribuições de Pavlov. Entretanto, foi através do trabalho e das pesquisas da lituana Bluma Zeigarnik que à Patopsicologia foi atribuído o princípio metodológico do materialismo histórico e dialético, juntamente com o estudo experimental dos transtornos mentais, o que levou à denominação de Patopsicologia Experimental.
Para esse campo de estudos, as funções psíquicas são entendidas não como funções inatas, mas sim como produto das atividades desenvolvidas ao longo da vida, o que faz com que as alterações psíquicas sejam compreendidas e investigadas como resultantes das alterações da atividade do indivíduo no mundo. Desse modo, é possível a analisar as distintas formas de alteração e desintegração do psiquismo, a descoberta dos mecanismos da atividade alterada e as possiblidades para sua reabilitação.
Nesse sentido, ao se pautar na estrutura da atividade humana, com suas alterações patológicas, Zeigarnik defende que a patologia age na personalidade, na intrínseca relação entre as condições sociais, o desenvolvimento psíquico e o desencadeamento do adoecimento psíquico.
Conclusão
Compreender que o desenvolvimento do adoecimento psíquico tem íntima relação com o modo como produzimos nossa atividade no mundo e como somos afetados pelas estruturas que nos cercam, nos direciona ao entendimento de que as alterações psíquicas consideradas patológicas ou não correspondem a essa relação dialética indivíduo-meio. Além disso, nos fazem considerar que tanto as formas de adoecimento psíquico como as formas de cuidado em saúde mental são constituídas histórica e socialmente.
Portanto, os estudos no campo da Patopsicologia Experimental analisam bem mais que os níveis de adoecimento ou de saúde, eles se direcionam para a concepção de como os seres humanos se humanizam, como a estrutura da personalidade se desenvolve no interior das relações sociais por meio da atividade humana no mundo.
Aprofunde suas leituras:
Artigo “Patopsicologia Experimental: Abordagem histórico-cultural para o entendimento do sofrimento mental”, de Silva e Tuleski.