Introdução
Uma Psicologia que se põe a serviço do humano, a serviço do seu desenvolvimento e da transformação histórica, deve ter em sua práxis a capacidade de desvelar os efeitos nocivos do sistema de dominação no qual estamos inseridos, o Capitalismo. É inegável que esse sistema pode nos adoecer, paralisar e coisificar, agindo diretamente na forma como são nossos desejos, necessidades e motivos.
Diante disso, a seguir, trataremos um pouco sobre os efeitos do capitalismo em nosso desenvolvimento, principalmente no desenvolvimento da nossa personalidade.
A contradição subliminar…
É no mínimo curioso perceber que, diante de tantos discursos que versam constantemente sobre a necessidade de valorizar a propriedade privada, existam tantas pessoas com um sentimento de não pertencimento.
A dinâmica de funcionamento capitalista favorece a produção dessa emoção à medida que aliena as necessidades e os motivos que sustentam nossa atividade e nossa personalidade. A realização dos objetivos sutis de dominar e criar vontades vem novamente acompanhada com uma oratória que enaltece a conquista, ao passo que determina e rejeita qualquer ideia de fracasso.
Nessa composição, evocamos um importante conceito de Marx: o de alienação. De acordo com Marx, são essas relações sociais de produção entre trabalhadores e capitalistas as responsáveis pela perda do homem de si mesmo, o que contribui para nos sentirmos cada vez mais distantes uns dos outros e não pertencentes a lugar nenhum, angústia muito comum de ser ouvida em nossos consultórios.
A fragmentação da personalidade no capitalismo
Diante desse cenário adoecedor, vamos nos percebendo separados uns dos outros como se as coisas que acontecem ao nosso redor não dissessem nada sobre nós, como se a luta que nos cerca não fosse nossa, e isso acaba por fragmentar nossa personalidade.
Como resultado disso, sentir-se não pertencente, estar desvinculado das relações ou estabelecer apenas relações superficiais, assumir uma postura individualista no mundo têm se tornado cada vez mais comum. Tais posturas contribuem para um dos impactos mais negativos no desenvolvimento da nossa personalidade: uma consciência restrita de si, do outro e do mundo.
Como a Clínica Histórico-Cultural compreende esses fenômenos?
Desde os tempos mais remotos, como membros da espécie humana, pertencemos a grupos que originalmente se organizavam em tribos, o que significa que pertencer sempre foi relevante para o desenvolvimento humano. Entretanto, o capitalismo furta isso de nós, levando-nos ao isolamento e ao consequente individualismo.
Para a Clínica Histórico-Cultural, a relação com o outro tem um papel extremamente importante na constituição da personalidade, tendo em vista que nós só podemos ser na medida em que nos relacionamos com esse outro. Desde o nosso primeiro dia de vida até o nosso último respiro, estamos em relação.
Por esse motivo, a Clínica Histórico-Cultural foca no desenvolvimento de atividades que sejam voltadas para o aumento da consciência de si e do mundo, para o desenvolvimento de relações mais saudáveis com os pares e para o entendimento das contradições que é viver no capitalismo.
Conclusão
Portanto, como dito anteriormente, uma Psicologia que se apresenta com uma proposta engajada com a transformação da sociedade deve desenvolver um olhar acurado para compreender como se desdobram os efeitos do capitalismo na personalidade. Porém, essa postura não deve se limitar à descrição passiva dos fenômenos, mas precisa ser direcionada para a formulação de propostas de resistência e enfrentamento à lógica adoecedora do capitalismo, que produz seres humanos alienados. É a partir disso que poderemos impulsionar o desenvolvimento qualitativo e crítico da personalidade.
Referâncias
- Livro “Práxis na clínica histórico-cultural: por uma clínica da transformação e do desenvolvimento”.
- Livro “Manuscritos Econômico-Filosóficos”.